Uma arriscada fronteira do desmatamento na
Amazônia.
Desmatamento, violência no campo e fogo
andam de mãos dadas rumo ao interior da Amazônia pela fronteira sul do
desmatamento
Ampliação de desmatamento na BR 319, em
Canutama, Amazonas, em 11 de setembro de 2021.
Até 1975, a Amazônia brasileira havia
perdido apenas 1% de sua cobertura florestal. Quase cinquenta anos depois, o
Brasil já perdeu quase 20% de sua porção da maior floresta tropical do mundo,
segundo dados do MapBiomas. O motor para tanta destruição foi a implementação de
uma ideia equivocada de que a floresta seria um empecilho, um “inferno verde” a
ser vencido para dar lugar ao “desenvolvimento”. Modelo defendido até hoje e
que segue fazendo vítimas, acumulando tragédias e promovendo a miséria para
muitos e lucro para poucos.
O carro chefe deste modelo é a produção
agropecuária, que avança sobre a floresta, apoiada no desmatamento e no uso do
fogo. Hoje em dia, a ciência já provou que, na verdade, a floresta tem muito
mais valor em pé, do que desmatada. Apesar disso, a visão “desenvolvimentista”
do século passado ainda é defendida pelas elites econômicas e executada com
apoio de políticos e empresas.
O desmatamento para a produção de
commodities já está consolidado em áreas onde antes existiam floresta, como o
Mato Grosso e parte do Pará. Mas o arco do desmatamento segue avançando,
especialmente no sudoeste e oeste do Pará, onde a escala de destruição segue
alcançando proporções titânicas, e na região sul do bioma, onde se encontram os
estados de Rondônia, Amazonas e Acre, área visitada pelo Greenpeace Brasil na
expedição realizada em setembro de 2021, e que vem se destacando nos últimos
anos, devido a velocidade e voracidade com que a floresta é consumida.
A porção de floresta que existe nessa
região resiste graças à criação, no passado, de Unidades de Conservação
estaduais e federais e é a barreira que protege a parte mais preservada da
Amazônia. Permitir que a destruição avance por essa região pode ser um caminho
sem volta, com consequências desastrosas para o Brasil e para o mundo.
Fogo reacende a fronteira adormecida
Como acontece em outras fronteiras de
desmatamento na Amazônia, o processo de mudança do uso da terra começa com a
retirada da madeira de maior valor, seguida da derrubada das árvores menores e,
consequentemente, as queimadas, que são usadas no processo de desmatamento. De
1 de janeiro a 20 de outubro deste ano, os três estados (AM, RO e AC), juntos,
responderam por quase metade (49,5%) dos focos de calor identificados na
Amazônia, segundo dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe). O Amazonas, sozinho, concentrou 21% dos focos de
calor (14.356) do período.
De 1 de janeiro a 7 de outubro, os alertas
de desmatamento do Deter-B nesses três estados juntos chegaram a 3.208 km²,
segundo dados do Inpe. “De 2019 para cá houve um aumento na área de grilagem de
terras em Rondônia. Algo que muitas vezes a gente tá chamando de ‘grilagem
online’, que são propriedades declaradas, em áreas próximas a unidades de
conservação e até mesmo dentro das unidades de conservação”, relata a
pesquisadora do Programa de Geografia da Universidade Federal de Rondônia,
Amanda Michalski.
A grilagem, aliás, é um grande problema na
Amazônia como um todo. No último ano, 31,63% dos alertas de desmatamento foram
detectados em florestas públicas não destinadas. Essa situação pode se
intensificar ainda mais se projetos de Lei como o 2633/2020, conhecido como PL
da Grilagem, aprovado em agosto deste ano pela Câmara dos Deputados, forem
aprovados. Na prática, este projeto irá anistiar invasores de terra pública e
incentivará novos ciclos de grilagem. O PL aguarda agora a aprovação no Senado
e pode ser votado a qualquer momento.
Rebanho em fazenda na BR 319, em Porto
Velho, Rondônia. (© Nilmar Lage / Greenpeace)
De acordo
com Michalski, o gado é usado na região como “um manto, para disfarçar o crime
ambiental que vem a partir da grilagem de terra”. De acordo com informações do
IBGE, em 2020, Rondônia contava com um rebanho bovino de 14,8 milhões de
cabeças de gado, isso equivale a oito bois para cada habitante do estado.
A pecuária extensiva avança pautada na
abertura constante de novas áreas. Muitas vezes a pecuária é utilizada no
processo da grilagem, onde as áreas, depois de derrubadas e ocupadas com alguns
bois, acabam legalizadas por vários meios. Essas terras, posteriormente, podem
ser repassadas para a produção de commodities, a exemplo da produção agrícola
que utiliza de mecanização e fertilização para produzir grãos, principalmente
soja. A soja por sua vez tem se expandido continuamente na Amazônia, em áreas
que eram previamente pastagens, deslocando a pecuária para áreas de floresta.
Resumindo: o gado abre espaço para a soja entrar.
“Hoje a gente já observa que essa pecuária
que tá no norte de Rondônia já avança para o sul do Amazonas e parte do Acre, e
a soja avança aqui em Porto Velho”, explica. De acordo com a pesquisadora, a
ação dos governos estadual e federal tem sido determinante para a
intensificação desse processo na região.
Em maio deste ano, o governador de
Rondônia, Coronel Marcos Rocha (sem partido), sancionou a Lei Complementar
1.089, que extinguiu 202 mil hectares de áreas protegidas no estado, retirando
a proteção de porções significativas da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do
Parque Estadual de Guajará-Mirim. A Resex Jaci-Paraná perdeu quase 90% de seu
território e o Parque Estadual de Guajará-Mirim perdeu 55 mil hectares. Essa
lei está sendo questionada na Justiça.
“Rondônia é como um laboratório do crime
ambiental. Se deu certo em Rondônia, isso vai se intensificar e a gente vê este
processo a partir do que eles estão querendo montar, essa nova regionalização
que é a chamada AMACRO”, alerta a pesquisadora.
Proposta de regionalização econômica,
AMACRO abrange 32 municípios dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia.
AMACRO é um acrônimo formado pelas
iniciais de Amazonas, Acre e Rondônia, e trata-se de uma regionalização
econômica que visa incentivar a produção agropecuária na região. Apesar de a
palavra “sustentabilidade” estampar todas as publicações oficiais a respeito do
projeto – o nome atual do plano é Zona de Desenvolvimento Sustentável
Abunâ-Madeira -, sua estrutura está construída em torno da ampliação de infraestrutura
e incentivos voltados à produção agropecuária.
“Isso é preocupante, principalmente porque
além de incentivar um modelo nada inclusivo e que se nutre de desmatamento, não
conversa com a urgência climática e com a crise da biodiversidade, podendo
abrir cada vez mais acesso para partes praticamente intactas da Amazônia”, diz
Cristiane Mazzetti, da campanha de Amazônia do Greenpeace.
O exemplo mais próximo desta iniciativa
pode ser visto no Cerrado, com o MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia),
onde o modelo promoveu a concentração de renda, de terras, desmatamento e
esgotamento dos recursos naturais, além do acirramento da violência no campo.
Para o Queops Silva de Melo, representante
do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de Lábrea, infelizmente as políticas
públicas na região são mais direcionadas para o agronegócio do que para
atividades que convivem com a floresta, o que resulta nessa disparidade entre
os modelos econômicos. “O que a gente precisa aqui é incentivo à produção extrativista.
Essa região do Sul do Amazonas é vista como área de exploração livre, você pega
a produção do indígena, do ribeirinho, e leva a preço baratíssimo. Ao mesmo
tempo, vão trazendo coisas de fora que não são da nossa cultura, não é da nossa
vocação, nosso sistema aqui é um sistema riquíssimo de biodiversidade. Se
valorizasse isso com política pública a gente teria recursos suficientes para
todo mundo viver bem”.
Violência na
floresta
De acordo com o último relatório da
Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre Violência no Campo, em 2020 foram
registrados 69 conflitos no Acre, 68 no Amazonas e 72 conflitos em Rondônia. Em
todo o Brasil, foram 2.054 ocorrências de conflitos no campo, o maior número da
série histórica do levantamento, que começou em 1985.
“Aqui atualmente o conflito por terra não
é tanto pela propriedade da terra, pelo assentamento. O pessoal está brigando
para ficar acima da terra. A maior parte dos conflitos é de pessoas que se vêem
ameaçadas e expulsas de suas terras. E para isso muitas vezes usam o fogo, o
desmatamento e a destruição como forma de expulsar as comunidades tradicionais
de seus territórios e da floresta que é sua fonte de recursos e de vida”, conta
Josep Iborra Plans, missionário da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Porto
Velho.
O missionário relata casos de ameaça,
expulsão, trabalho escravo e até assassinatos, onde os culpados dificilmente
são identificados ou punidos. O representante da CPT fala de uma justiça
desigual, que pune o pequeno colono, enquanto inocenta grandes grileiros. “O
Estado, de uma forma assim de propósito, se faz ausente, deixando os
pistoleiros agirem e que impere a lei dos mais fortes, dos grandes grileiros”,
afirma.
São casos como o do agricultor Antônio da
Silva*, que vivia em uma comunidade ribeirinha em Rondônia e foi expulso da
terra que habitou por 25 anos. “Um dia chegou uma pessoa lá dizendo que era
dona da minha terra e de mais 18 mil hectares. Me chamaram para entrar num
acordo que eu acredito que ia custar a minha vida, né? Então eu não aceitei e
hoje eu tô pagando esse preço”, relata. Depois da recusa, o agricultor passou a
ser ameaçado e perseguido por pistoleiros, teve sua área cercada, seus animais
de criação mortos, até que as ameaças se intensificaram de tal maneira, que ele
foi forçado a sair de sua terra.
O extrativista Augusto de Souza* traz um
relato parecido. Depois de anos vivendo da coleta de castanhas em uma reserva
extrativista no Amazonas, viu seu mundo virar de cabeça quando grileiros
invadiram seu castanhal e o expulsaram da área. Hoje, as castanheiras
centenárias não existem mais e a sensação é de impotência. Ambas identidades
foram preservadas nesta reportagem, para segurança dos entrevistados, que
seguem sob ameaça.
“No Sul de Lábrea foi mais ou menos assim,
tinha os extrativistas de castanha, os seringueiros, e aí começou a invasão. O
pessoal começou a entrar, os madeireiros tirando madeira, depois vinham os
pecuaristas derrubando o resto. Alguns dos extrativistas que resistiam ao preço
deles, eles diziam que então custaria R$ 4, que é o preço de uma bala”, conta
Adelson Arruda de Lima, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais do Município de Lábrea, que viu a economia do município,
antes baseada na agricultura familiar, avançar rumo à concentração de terra e
onde a pecuária responde pela maior parte da produção.
Segundo Adelson, muitos dos “novos donos”
da terra vem de outros estados, como o Paraná e Mato Grosso. “O que acontece
com o agricultor familiar depois que ele é expulso da terra? Ele deixa a
agricultura familiar e vem para a cidade basicamente para passar necessidade,
passar fome”, relata.
A flexibilização da legislação ambiental e
a falta de fiscalização são as causas apontadas pela missionária Laura Vicunha,
do CIMI de Rondônia, para o avanço das invasões e da violência que sofrem os
povos indígenas no estado.
“O território Karipuna, por exemplo, é um
território que no passado já foi reduzido 40 mil hectares e é um povo pequeno,
então fazem de tudo para pressionar esse território. Esse ano a pressão se
intensificou ainda mais, sobretudo na parte sul da terra indígena, que foi
impactada por aquela lei (1.089) que desafetou a Resex Jaci-Paraná e parte do
Parque Estadual Guajará Mirim. Com essa pressão e com essa liberação, a
legalização da grilagem, fez com que o desmatamento e os focos de queimada
voltassem a subir”, afirma.
Entre 2017 e 2020, foram devastados 3.646
hectares da TI Karipuna, que ocupa a posição de 9ª terra indígena mais
desmatada na Amazônia. Os relatos de extração ilegal de madeira, ameaças e até
de loteamentos dentro da TI são fartos, mas os problemas continuam, o que levou
os Karipuna a entrarem com uma ação judicial contra a União, a Fundação
Nacional do Índio (Funai) e o governo de Rondônia por inação. Na ação, os
indígenas pedem que os invasores sejam expulsos, que as obras realizadas dentro
da TI sejam destruídas, que as áreas desmatadas ilegalmente sejam recompostas e
que a TI seja, de fato, protegida e fiscalizada.
A situação das populações indígenas não é
muito melhor no Amazonas, onde o avanço da agropecuária ameaça a vida dos povos
de norte a sul do estado. De acordo com Queops, do CIMI, as queimadas e o
desmatamento impactam a saúde e a sobrevivência dessas populações. “A fronteira
agrícola vem chegando e uma das coisas que preocupa a gente é que todas essas
comunidades, essas aldeias, o principal acesso é pelo rio, mas os igarapés
estão sendo fortemente ameaçados, eles estão secando e essa população está sendo
forçada a migrar de um local para o outro, devido a esse desmatamento nas
cabeceiras dos rios vindo do sul do município”, conta.
As constantes ameaças vindas de Brasília,
como a possibilidade de aprovação do Marco Temporal, adicionam uma camada extra
de pressão. A tese, defendida arduamente por ruralistas, dentro e fora do
Congresso, e pelo presidente Jair Bolsonaro, que prometeu “não demarcar um
centímetro de terra índigena” em seu governo, argumenta que um povo indígena só
pode ter sua terra demarcada se conseguir comprovar que estava sobre ela no dia
5 de outubro de 1988, data em que a Constituição foi promulgada, ignorando todo
o processo colonizatório, em que muitos povos foram dizimados, escravizados,
proibidos de falar seu idioma e exercer sua identidade cultural, além de
expulsos de suas terras.
“Não é assim, nós estamos aqui há muito
tempo, nós estamos aqui muito antes de 5 de outubro de 1988. Então, nós
entendemos que a demarcação dos nossos territórios precisa ser concluída. Eu
tenho o meu território demarcado. Já outros parentes aqui da nossa região não
tem. Então precisamos lutar por eles”, defende Antônio Enésio Tenharim,
coordenador geral Organização dos povos indígenas do Alto Madeira (Opiam). De
acordo com o Antônio, esta não é a única ameaça vinda de Brasília. O
sucateamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), o Projeto de Lei 191/2020,
que visa permitir a mineração em TIs, também ameaçam a integridade dos povos
indígenas não só do Amazonas, mas de todo o Brasil.
“Vivemos um
momento em que a floresta e seus povos estão seriamente ameaçados pelo
enfraquecimento de órgãos públicos de controle, por uma série de propostas no
âmbito legislativo, que objetivam entregar as florestas públicas para o
desmatamento, e por uma visão de desenvolvimento que já se mostrou equivocada
para a Amazônia”, afirma Cristiane Mazzetti. “A região do sul do Amazonas,
norte de Rondônia e Acre é mais uma expressão desse modelo que precisa ser
revisto imediatamente, dada a emergência climática e a vulnerabilidade social
presente no Brasil. É preciso viabilizar uma economia capaz de conviver com a
floresta e promover real desenvolvimento na região”, defende.
Faltando poucos dias para a 26ª Cúpula
Climática da ONU, também conhecida como COP26, brasileiros e o resto do mundo
voltam suas atenções para ouvir o que os governos apresentarão como
contribuições para solucionar a crise climática. O Brasil, que poderia ser uma
liderança neste debate, infelizmente, segue na direção oposta.
Greenpeace Brasil•7 de julho de 2023•
Comentário:
Querem acabar com as florestas: da
Amazônia, dos Cerrados e da floresta Atlântica.
Não há interesse político para zerar o
desmatamento dessas florestas. O presidente Lula pretende zerar o desmatamento
do Amazonas em 2030, mas do jeito que vai, em 2030 não haverá uma árvore em pé.
Se houvesse interesse em zerar o desmatamento deveriam começar agora, ou ontem,
o tempo está acabando e à Fervura Global está começando e a humanidade estão
prestes a ser extintas, tudo por causa da ganância e ignorância de grupos
poderosos que querem o lucro não importa a que preço, se amanhã todos estejam
mortos.
Os incêndios em toda parte do mundo são
criminosos não tem a ver com o Aquecimento Global, se o aquecimento tocasse
fogo não seria em determinados locais e sim em toda a floresta ou mata, nunca
houve incêndios espontâneos no passado. O incêndio na floresta do Canadá foi
criminoso porque as chamas começaram simultaneamente no Leste e no Oeste do
Canadá. Estão querendo áreas para expandir os centros urbanos por causa da
explosão demográfica mundial. No Amazonas é para virar pastos para engorda do
gado que vai se transformar em commodities para exportar e matar a fome de países
estrangeiros, enquanto no Brasil, o povo passa fome e vive na miséria social. O
presidente Lula é o presidente do faz de conta que governa, no país do faz de
conta.
Ernani Serra
Pensamento: Tornamo-nos odiados tanto fazendo o bem
como fazendo o mal.
Maquiavel