DENÚNCIA DO ÍNDIO DÁRIO
"São
20 mil garimpeiros explorando a nossa casa", afirma liderança indígena. Liderança yanomami denuncia o garimpo ilegal de ouro, ameaças e danos
ambientais no território em Roraima: governo Bolsonaro pretende legalizar a
mineração em terras indígenas. Dário
Kopenawa é vice-presidente da associação Hutukara Yanomami.
“Sempre denunciamos, mas garimpeiros
continuam lá”, diz Dário Kopenawa, filho do líder yanomami David Kopenawa nesta
entrevista à Agência Pública. “Ele [Bolsonaro]
não está prejudicando só os Yanomami, ele está arrumando problema pro Estado
brasileiro”, critica o jovem vice-presidente da associação
Hutukara Yanomami, em Roraima.
Atualmente, mais de 15 mil garimpeiros
ilegais exploram ouro na maior terra indígena brasileira. O ouro se tornou em
2019 o segundo maior produto de exportação de Roraima sem que o Estado tenha
uma única mina operando legalmente, segundo reportagem
da BBC Brasil. Dário pede a retirada imediata dos garimpeiros
ilegais: “mas como o governo Bolsonaro é a favor [da
exploração] isso dificulta muito. E só o governo que pode fazer essa
desintrusão”, avalia.
Não é a primeira vez que há invasão garimpeira
no território. Em 1986, 40
mil garimpeiros estiveram na TI. Reportagem do
jornal O Globo revelou como essa nova corrida pelo ouro na
região deixa um rastro de “tensões, violência,
conflitos e destruição ambiental” — atualmente, são cerca de de 23 mil
yanomamis vivendo em Roraima e no Amazonas. “Uma coisa que quero deixar bem
clara é que as lideranças que estão denunciando estão correndo risco. Eles
dizem: “se você continuar denunciando a gente vai pegar você, vai bater em
você, vai matar você”, é assim que os garimpeiros estão falando para alguns
amigos deles para deixar recado para quem está denunciando o garimpo”, revela.
Dário conta que entregou ao Ministério
Público Federal de Boa Vista um Plano de Gestão Territorial Ambiental (GTA). “São protocolos de consulta. Quando algum
projeto ou empreendimento estiver querendo fazer mineração em terra indígena,
por exemplo, no protocolo consta que antes tem que consultar os Yanomami.
Quando tiver um interessado [em explorar a terra
indígena] ele tem que enviar um projeto para Funai de Brasília, a Funai
de Brasília vai consultar as regionais que vai consultar as organizações [indígenas], que fala com as lideranças locais que
conversa com a comunidade”, explica. “Esse
tem que ser o procedimento do protocolo que a gente fez. Esses protocolos
servem para reforçar a necessidade prática da proteção ambiental do nosso
território e monitorar o desmatamento, o impacto ambiental, e destruição,
enfim, mostra como cuidamos do nosso território”.
Atualmente, o governo Bolsonaro prepara um
projeto para legalizar a mineração em terra indígena, o que pode afetar
um terço das TIs no país. Prevista na Constituição de 1988, a atividade
nestes territórios nunca foi regulamentada e é alvo de
discussão no Congresso.
Dário afirma ainda que uma comissão das
organizações e lideranças também foi até Brasília entregar o Plano de Gestão
Territorial Ambiental. “Entregamos para nossa grande guerreira Joênia [Wapichana], Deputada Federal e depois entregamos no
Ministério da Defesa e na Secretaria do Governo: Ibama,
ICMBio, Ministério da Educação e a Funai. Também entregamos em Manaus,
no Ministério Público Federal do Amazonas e na Comando Militar da Amazônia.
Está todo mundo sabendo como se deve agir, quando se fala de garimpo ilegal em
terra indígena Yanomami”.
Seu
pai, David Kopenawa, está denunciando o garimpo ilegal há muitos anos e você
continua fazendo essas denúncias. Como você se sente?
Quando eu era criança, meu pai já lutava muito. Na década de 1980, quando grande número de garimpeiros entrou na terra Yanomami, tinha 40 mil garimpeiros. Ele lutou bastante. Tinha muita coisa errada e denunciou muita gente. Nessa época, nosso território não era demarcado. Meu pai está com 40 anos de luta. Denunciando o garimpo. Falando das consequências, da vulnerabilidade do território Yanomami.
Quando eu era criança, meu pai já lutava muito. Na década de 1980, quando grande número de garimpeiros entrou na terra Yanomami, tinha 40 mil garimpeiros. Ele lutou bastante. Tinha muita coisa errada e denunciou muita gente. Nessa época, nosso território não era demarcado. Meu pai está com 40 anos de luta. Denunciando o garimpo. Falando das consequências, da vulnerabilidade do território Yanomami.
Mas agora o governo brasileiro tem que
cumprir o papel de retirar os garimpeiros. Quando eles demarcaram a terra Yanomami em
1992, o governo federal tirou todos os garimpeiros da nossa terra. Agora a
gente tem que ter uma ação pesada para retirar os garimpeiros imediatamente.
Mas como o governo Bolsonaro é a favor [da exploração]
isso dificulta muito. E só o governo que pode fazer essa desintrusão. Vai
precisar de mais de 300 homens para tirar esses garimpeiros da terra Yanomami.
Tem que ser uma operação muito grande. Tirar eles de lá é dever do Estado, em
respeito aos direitos dos povos indígenas, está na Constituição de 1988, artigo
231, isso está claro e o presidente tem que cumprir o seu dever, que em minha
opinião está descumprindo, porque 20 mil garimpeiros estão nas terras Yanomamis
e não tem como esconder 20 mil pessoas.
Você
têm formalizado novas denúncias sobre a exploração de ouro no território?
Denúncias a gente sempre faz. Tem uma pilha, uma tonelada de denúncias. E a Funai não resolve isso, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal ou Exército. No mês passado, a gente fez denúncias graves nos órgãos públicos. Fomos na Funai, Ministério da Justiça, Ministério da Defesa e Procuradoria Geral da República. Sempre denunciamos, mas garimpeiros continuam lá.
Denúncias a gente sempre faz. Tem uma pilha, uma tonelada de denúncias. E a Funai não resolve isso, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal ou Exército. No mês passado, a gente fez denúncias graves nos órgãos públicos. Fomos na Funai, Ministério da Justiça, Ministério da Defesa e Procuradoria Geral da República. Sempre denunciamos, mas garimpeiros continuam lá.
Qual
o teor das denúncias?
Mais e mais denúncias de garimpo ilegal na terra Yanomami.
Mais e mais denúncias de garimpo ilegal na terra Yanomami.
Como
está a exploração no território?
Hoje tem uns 20 mil garimpeiros na terra Yanomami trabalhando lá. São muitos homens [garimpeiros] explorando a nossa casa. E isso não é a mineração, é o garimpo ilegal na terra Yanomami. Mineração não chegou ainda, mas já está prejudicando o nosso território. Onde está mais grave é na região do Rio Uraricoera, ali tem comunidades correndo risco.
Hoje tem uns 20 mil garimpeiros na terra Yanomami trabalhando lá. São muitos homens [garimpeiros] explorando a nossa casa. E isso não é a mineração, é o garimpo ilegal na terra Yanomami. Mineração não chegou ainda, mas já está prejudicando o nosso território. Onde está mais grave é na região do Rio Uraricoera, ali tem comunidades correndo risco.
Como
vocês tem certeza que são 20 mil garimpeiros? Como chegaram nesse número?
A gente recebe informações através das denúncias das comunidades. Cada comunidade faz uma contagem “por cima”. A gente não chegou a ir lá [no garimpo] e contar garimpeiro por cabeça, não. Se a gente vai, a gente é morto. Também tem os dados da Polícia Federal e do Exército que chega nesse número. Desde 2011 vem aumentando. Mas 2019 está bastante. Estamos com 20 mil garimpeiros.
A gente recebe informações através das denúncias das comunidades. Cada comunidade faz uma contagem “por cima”. A gente não chegou a ir lá [no garimpo] e contar garimpeiro por cabeça, não. Se a gente vai, a gente é morto. Também tem os dados da Polícia Federal e do Exército que chega nesse número. Desde 2011 vem aumentando. Mas 2019 está bastante. Estamos com 20 mil garimpeiros.
Chegam
ameaças até vocês?
Onde tem a presença de garimpeiros, acontece muito. Eles ameaçam as mulheres, crianças e os adultos também. Eles têm arma de fogo. Tem ameaça, sim. Uma coisa que quero deixar bem clara é que as lideranças que estão denunciando estão correndo risco. Eles dizem: “se você continuar denunciando a gente vai pegar você, vai bater em você, vai matar você”, é assim que os garimpeiros estão falando para alguns amigos deles para deixar recado para quem está denunciando o garimpo. Mas a gente tem que denunciar, porque o garimpo está dentro do nosso território, eles estão presentes dentro do território Yanomami. E a nossa terra está demarcada. Eles estão perto das comunidades. Tem alguns que estão a cinco quilômetros. O garimpo está ao redor das comunidades.
Onde tem a presença de garimpeiros, acontece muito. Eles ameaçam as mulheres, crianças e os adultos também. Eles têm arma de fogo. Tem ameaça, sim. Uma coisa que quero deixar bem clara é que as lideranças que estão denunciando estão correndo risco. Eles dizem: “se você continuar denunciando a gente vai pegar você, vai bater em você, vai matar você”, é assim que os garimpeiros estão falando para alguns amigos deles para deixar recado para quem está denunciando o garimpo. Mas a gente tem que denunciar, porque o garimpo está dentro do nosso território, eles estão presentes dentro do território Yanomami. E a nossa terra está demarcada. Eles estão perto das comunidades. Tem alguns que estão a cinco quilômetros. O garimpo está ao redor das comunidades.
Como
são as estruturas do garimpo e o local onde os garimpeiros ficam?
Eles têm os barracões que são as casas deles. Cada garimpo leva os seus equipamentos. Rede, alimentação, barco, maquinários, combustível, levam tudo. Quem está apoiando com equipamentos são os empresários, eles bancam tudo. Os motores e barcos são bancados por empresas.
Eles têm os barracões que são as casas deles. Cada garimpo leva os seus equipamentos. Rede, alimentação, barco, maquinários, combustível, levam tudo. Quem está apoiando com equipamentos são os empresários, eles bancam tudo. Os motores e barcos são bancados por empresas.
E
como eles acessam a Terra Indígena?
Eles têm três possibilidades: sobem de barco, fretam avião particular, ilegalmente, e helicóptero também, ilegalmente. Para poder chegar à localidade, eles têm pista clandestina. Tem radiofonia. Tem wi-fi, internet. Os garimpeiros estão equipados.
Eles têm três possibilidades: sobem de barco, fretam avião particular, ilegalmente, e helicóptero também, ilegalmente. Para poder chegar à localidade, eles têm pista clandestina. Tem radiofonia. Tem wi-fi, internet. Os garimpeiros estão equipados.
Qual
é a região mais problemática?
Hoje, a parte de cima do Rio Uraricoera e também o Rio Mucajaí é a parte mais problemática. Os principais são esses. Eles estão subindo até os igarapés, onde os Yanomami estão morando. Lá eles têm pistas clandestinas. Eles mesmos fazem.
Hoje, a parte de cima do Rio Uraricoera e também o Rio Mucajaí é a parte mais problemática. Os principais são esses. Eles estão subindo até os igarapés, onde os Yanomami estão morando. Lá eles têm pistas clandestinas. Eles mesmos fazem.
Como
é a vida das pessoas que vão até o garimpo e vivem lá para conseguir o ouro?
Não é para eles viverem lá. Eles fazem atividade de garimpo ilegal, ficam cavando os rios com maquinário pesado. Colocam canos nos rios para puxar água. Cortam a terra, enchem os rios de poluição com mercúrio. Tem uso de prostituição e alcoolismo. Aliciamento dos Yanomami. Eles têm alimentação, rádio, televisão. Eles chegam na comunidade e prometem muito. Dão arroz, cachaça, comida, espingarda, cartucho. Falam para eles [indígenas] que são garimpeiros bons. A maioria dos Yanomami são contra, é a minoria que cai no aliciamento.
Não é para eles viverem lá. Eles fazem atividade de garimpo ilegal, ficam cavando os rios com maquinário pesado. Colocam canos nos rios para puxar água. Cortam a terra, enchem os rios de poluição com mercúrio. Tem uso de prostituição e alcoolismo. Aliciamento dos Yanomami. Eles têm alimentação, rádio, televisão. Eles chegam na comunidade e prometem muito. Dão arroz, cachaça, comida, espingarda, cartucho. Falam para eles [indígenas] que são garimpeiros bons. A maioria dos Yanomami são contra, é a minoria que cai no aliciamento.
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Você
sabe o que acontece com ouro que sai da terra Yanomami?
O ouro extraído da nossa casa, eles levam para Boa Vista. Lá eles fazem uma espécie de lavagem e mandam para outros estados e depois para Europa. São vários empresários que compram ouro, mas a gente não conhece, não temos acesso. Há três ou quatros anos, aqui em Boa Vista a Polícia Federal investigou alguns empresários. Segundo ela, o caminho do ouro que sai da terra Yanomami vai para Boa Vista, depois para Manaus, Maranhão, e do Maranhão para São Paulo. O ouro Yanomami anda por esses caminhos.
O ouro extraído da nossa casa, eles levam para Boa Vista. Lá eles fazem uma espécie de lavagem e mandam para outros estados e depois para Europa. São vários empresários que compram ouro, mas a gente não conhece, não temos acesso. Há três ou quatros anos, aqui em Boa Vista a Polícia Federal investigou alguns empresários. Segundo ela, o caminho do ouro que sai da terra Yanomami vai para Boa Vista, depois para Manaus, Maranhão, e do Maranhão para São Paulo. O ouro Yanomami anda por esses caminhos.
Uma
das bandeiras do governo é liberar a mineração em terras indígenas. Essa
postura do governo favorece o aumento de garimpeiros no território?
Quando ele [Jair Bolsonaro] se candidatou ele disse logo que queria negociar com o governo americano a legalização de mineração nas terras indígenas. Ele já falou isso. Realmente, o interesse dele é explorar a mineração, não é garimpo. Garimpo é um pouco fraco e agora o interesse do governo Bolsonaro é onde tem os minérios. Mas também ele está criando muito problema pro Estado brasileiro. Ele não está respeitando as hierarquias. Ele não está prejudicando só os Yanomami, ele está arrumando problema pro Estado brasileiro.
Quando ele [Jair Bolsonaro] se candidatou ele disse logo que queria negociar com o governo americano a legalização de mineração nas terras indígenas. Ele já falou isso. Realmente, o interesse dele é explorar a mineração, não é garimpo. Garimpo é um pouco fraco e agora o interesse do governo Bolsonaro é onde tem os minérios. Mas também ele está criando muito problema pro Estado brasileiro. Ele não está respeitando as hierarquias. Ele não está prejudicando só os Yanomami, ele está arrumando problema pro Estado brasileiro.
Uma
característica do projeto de lei que visa permitir a exploração dos mineiros em
terra indígena é a necessidade de prévia autorização por parte dos indígenas
daquele território. Como os Yanomami enxergam isso?
No contexto geral, os povos indígenas do Brasil são contra a mineração em terras indígenas. Porque a política indígena não é a favor da mineração. A minoria, alguns parentes, é envolvida com os políticos. São manipulados por políticos.
No contexto geral, os povos indígenas do Brasil são contra a mineração em terras indígenas. Porque a política indígena não é a favor da mineração. A minoria, alguns parentes, é envolvida com os políticos. São manipulados por políticos.
A
justiça determinou que a FUNAI abrisse as bases de proteção etnoambiental no
território. Você tem acompanhado a reabertura?
No planejamento de abertura, são três bases [no território]. A gente processou o Estado e conseguimos recursos para fazer a reativação das bases, onde os garimpeiros estão entrando. Temos que bloquear a entrada dos garimpeiros de barco. A Funai está se organizando para fazer a reinstalação. Era pra ter feito no ano passado, mas não deu certo, porque — não sei se a FUNAI vai dizer bem isso, mas eu estou dizendo, nós conseguimos por meio da ação judicial as reativações das bases e gente permanente para ficar lá.
No planejamento de abertura, são três bases [no território]. A gente processou o Estado e conseguimos recursos para fazer a reativação das bases, onde os garimpeiros estão entrando. Temos que bloquear a entrada dos garimpeiros de barco. A Funai está se organizando para fazer a reinstalação. Era pra ter feito no ano passado, mas não deu certo, porque — não sei se a FUNAI vai dizer bem isso, mas eu estou dizendo, nós conseguimos por meio da ação judicial as reativações das bases e gente permanente para ficar lá.
Segundo a coordenadora regional da Funai
de Roraima, eles estão subindo para reabrir as instalações. Essa é uma
responsabilidade da FUNAI. Eles não passaram um prazo oficial, mas acho que em
90 dias vai reabrir. Eles estão montando a estrutura para ir pra até lá.
Qual
o seu papel na associação?
Em 2004, os Yanomami começaram a atuação da [Associação] Hutukara e desde o início estou trabalhando com a associação. Durante 15 anos venho lutando e denunciando garimpo no nosso território. Também atuamos com saúde e educação do nosso povo. Hoje sou vice-presidente da associação Hutukara Yanomami e um porta-voz do povo.
Em 2004, os Yanomami começaram a atuação da [Associação] Hutukara e desde o início estou trabalhando com a associação. Durante 15 anos venho lutando e denunciando garimpo no nosso território. Também atuamos com saúde e educação do nosso povo. Hoje sou vice-presidente da associação Hutukara Yanomami e um porta-voz do povo.
Ernani Serra
Pensamento:
Quem não luta pelo que é seu, perde o direito.
Ernani Serra
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